Os cadeados do amor e a sobrecarga sobre as pontes

Pont des arts

A primeira vez que vi cadeados em pontes foi quando atravessei a Ponte do Brooklyn.  Não entendi nada é verdade, porque raios as pessoas colocam cadeados nos guarda-corpos de pontes.  Mas enfim, deixe-os serem felizes como quiserem.

Na Europa esse costume é maior.  E as principais cidades cresceram sendo cortadas por rios, afinal Londres existe por causa do Tâmisa e Paris por causa do Sena, só para ficar em dois exemplos, portanto pontes são a coisa mais comum dessas cidades.  Só que nesses países as pessoas lotam as pontes de cadeados!

O caso mais expressivo é Paris, onde há pontes em que você não tem onde colocar a mão sem ser tocando num cadeado.  Mas eu vi cadeados também em Londres, em Zurique, Amsterdam, Bruxelas…  Acho que em todas as cidades da Europa que parei eles estavam lá.  E voltei sem saber porque as pessoas botam cadeados nas pontes.  Fui aprender depois.

A ponte é o maior símbolo de união que nós temos.  Não à toa o Papa se chama “Sumo Pontífice”, onde Pontífice quer dizer “aquele que constrói pontes” e, no caso do Papa, seriam pontes entre Deus e os homens (obrigado pela explicação Padre Francisco).  Pontes são também elementos importantíssimos da tática militar devendo ser protegidas a todo custo para que não caia nas mãos do inimigo ou para que o inimigo não impeça minha passagem, ou conquistada, de forma a avançar em território inimigo ou destruída para impedir o avanço.  Portanto numa guerra, ficar debaixo da ponte é uma péssima ideia.

Pontes são também obras magníficas do engenho humano (só perdem para o avião) e nos permitem cruzar corpos d’água com facilidade.  Facilitam o deslocamento, unem cidades como o Rio e Niterói ou até mesmo países, como a Ponte da Amizade.  Daí seu grande simbolismo para todos.

Aproveitando a ideia de união que uma ponte passa, surgiu esse costume europeu.  Embora Paris esteja repleta de cadeados em pontes, o costume surgiu na Hungria.  Os casais usam de outro símbolo, o cadeado e, ao prendê-lo na ponte dizem que sua união, representada pela ponte está “trancada” ou protegida, e assim durará para sempre.  O costume manda que o casal jogue a chave no corpo d’água abaixo e, pela lenda, a única forma de terminar o amor seria resgatando a chave do fundo do rio (caso você tenha feito isso com um mergulhador, cuidado).

Acaba sendo bacana uma ponte repleta de cadeados com os nomes dos casais, datas…  você vê muita gente que passou por ali e fez isso.  Te leva a perguntar o que o futuro reservou para aqueles casais.  Será que estão juntos ainda?  Vivos ainda?  Tem filhos?  Você vai lendo os nomes e imagina.  Cheguei a bolar algumas histórias para alguns.

Mas esse excesso de cadeados em pontes tem gerado um problema para a prefeitura parisiense.  Curiosamente agora que há uma prefeita em Paris, a mulher resolveu atacar muitas coisas da cidade que você nem imaginaria.  E dita cuja declarou guerra aos cadeados e logo no dia dos namorados.

Não, eu não sei se ela um dia botou um cadeado lá com seu namorado, jogou as chaves no Sena e depois aquele cachorro ordinário saiu com outra e hoje colocou um cadeado com o nome da outra preso exatamente no que colocou com a prefeita (algumas pontes estão tão cheias que as pessoas colocam cadeados presos em outros cadeados), mas ela tem uma boa razão técnica para declarar guerra aos cadeados:

Todos nós sabemos que cadeados são metálicos e, por isso mesmo, pesam.  Colocar um ou dois cadeados num guarda-corpo de ponte não tem problema, mas a quantidade de cadeados que há nas pontes de Paris já é tão grande que o peso deles está sobrecarregando a estrutura da ponte.  Em junho uma parte do guarda-corpo da Pont des arts cedeu e a ponte teve que ser interditada. 

Agora, numa substituição aprovada por Pep Guardiola, sai o romance e entra a Engenharia.  Vamos tentar avaliar o impacto que esses cadeados causam na ponte.  Vamos usar a Pont des arts, a mais famosa por essa prática e portanto a que mais tem cadeado.

A Pont des arts original foi construída a mando de Napoleão entre 1802 e 1804 e foi a primeira ponte metálica de Paris.  Ela não durou muito, foi interditada em 1977 e desabou em 1979.  A ponte que você prende seu cadeado hoje foi inaugurada em 1984 e foi construída para ser quase idêntica a original.

Para estimar a carga sobre a ponte causada por cadeados, vamos lançar algumas hipóteses enquanto eu não consigo a vaquinha para voltar a Paris para contar e pesar todos os cadeados que lá estão:  A ponte mede 155m de comprimento, seu guarda-corpo tem aproximadamente 1,10m de altura.  Ele é metálico, feito por uns perfis grossos, mas tem uma tela de 10cm de malha para impedir a queda de objetos, portanto praticamente todo ele pode receber cadeados, de forma que vamos considerar uma massa praticamente contínua de cadeados ao longo da ponte.

Teremos disponíveis para cadeados em cada lado da ponte 11 “linhas”, cada uma com 155 metros.  Isso dá um espaço de 1705 metros para se colocar cadeados na ponte.  Agora vamos modelar os cadeados:

Há cadeados de todos os tipos, alguns minúsculos, outros imensos de forma que não dá para precisar o peso de cada cadeado.  Vamos dizer que todos os cadeados correspondem a um “cadeado médio” que, em promoção do produto nacional e para fazer vocês acharem que esse post foi patrocinado será o cadeado Papaiz CR 45 Standard.  Escolhi esse porque é um cadeado comum, você provavelmente o tem na sua casa e também porque com Papaiz todo o mundo se sente mais seguro (fim do merchan).

Cadeado Papaiz CR 45

Esse cadeado pesa 120g e sua “alça” tem o diâmetro de 8mm.  Se supormos que todos os cadeados estão presos ao guarda-corpo, ou seja, nenhum cadeado foi atrelado a outro e que todo o espaço da ponte foi ocupado, em cada lado da ponte caberão 213.125 cadeados, o que significa

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Com todos esses cadeados, cada lado da ponte está com um peso extra de 25,575 TONELADAS.  Ou seja, os cadeados estão sobrecarregando a ponte em mais de 50 toneladas.  Por metro essa ponte está com uma sobrecarga de 330kg/m.  50 Toneladas é a capacidade de carga de uma carreta.  Só que a ponte foi projetada para pedestres e pior, esses cadeados fazem com que o esforço se concentre onde o guarda-corpo se junta com a ponte e, muitas vezes, o guarda-corpo que acaba quebrando, o que é igualmente perigoso.

Assim, as autoridades parisienses estão em guerra contra os cadeados.  Mas como isso é uma atração turística e muitas pessoas vão a Paris ou para colocar seu cadeado ou simplesmente para ver o dos outros, eles não querem perder os turistas.  Assim, eles estão incentivando que os casais deixem mensagens românticas em papel ou simplesmente tirem o “selfie” na ponte.  Ou ainda, que utilizem o cadeado virtual ou e-love lock. Convenhamos, não tem a mesma graça, mas a engenharia não mente.  Esses cadeados são perigosos.

 

 

 

Sobre Fernando Vieira

Engenheiro Mecânico. Trabalha no Rio mas mora em Petrópolis. Fez esse blog, pra comentar sobre tudo um pouco mesmo sem entender de nada.
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