O Boeing 777X – O que voaremos no futuro

 

Não, ainda não chegamos nisso.

Não, ainda não chegamos nisso.

Quando os primeiros jatos comerciais como o Comet e o Boeing 707 surgiram, as pessoas pensavam em velocidade.  Imaginava-se que em alguns anos você poderia estar trabalhando em seus escritório em Nova York e sair para almoçar em um Bistrô parisiense ou em uma trattoria romana, voltar e trabalhar a parte da tarde e, ao final do expediente aproveitar um belo Happy Hour na Lapa, chegando em sua casa em Hill Valley antes que sua esposa grite com você.

Todo mundo embarcou nessa, inclusive as fabricantes de aviões.  Todos achavam que o futuro da aviação comercial estava nos voos supersônicos.  Dessa onda surgiu o avião de passageiros mais rápido do mundo, o Concorde.  A Boeing também desenvolvia seu próprio supersônico, mas enquanto isso, ela produzia um jato “tapa buraco” de grande capacidade:  O Boeing 747.

Ela não esperava, mas estava ali mostrando como de fato seria o futuro da aviação:  Grandes jatos de passageiros.  Os jatos supersônicos de passageiros possuíam limitações e não podiam voar sobre grandes cidades em cruzeiro acima da velocidade do som.  Além disso, esses aviões eram de operação complexa e tinham baixa capacidade de passageiros.  Isso fazia com que as passagens fossem extremamente caras (ao custo de dez mil dólares você podia ir de Paris a NY em três horas).

Enquanto passagens de Concorde custavam uma fortuna e a aeronave sofria com uma série de restrições, seu concorrente gigante surfava em uma maré de grandes encomendas, sem restrições de voo e levando quase 300 pessoas por aeronave.  Dessa forma, enquanto foram produzidos cerca de 20 Concordes na década de 70, a produção de Boeings 747 vai bem, obrigado.

 Com as sucessivas crises do mercado de aviação, ao invés de rápidos queimadores de combustível, a indústria passou a aceitar o mundo voando a Mach 0.8 e buscando cada vez mais eficiência.  Quando sabemos que o maior custo de uma companhia aérea é com combustível, entendemos porque os motores se desenvolveram tanto ao longo dos anos.

Talvez o maior expoente desse desenvolvimento tenha sido o Boeing 777.  Concebido na década de 90, tornou-se o maior bimotor do mundo. Só perdia em capacidade para o próprio Jumbo 747.  Mas a diferença crucial entre eles era que, enquanto o 747 possui 4 motores, o 777 faz o trabalho com apenas dois.  Isso significa menos combustível, menos manutenção e menores custos.

O desenvolvimento dessa aeronave foi marcante.  Ele foi todo concebido em computador, sem mock-up.  Isso eliminou muito os custos de projeto.  A Boeing finalmente também se igualava a sua concorrente europeia, fazendo desse modelo a primeira aeronave comercial Fly-By-Wire da empresa.  O desenvolvimento em computador permitiu que os engenheiros estudassem a fundo os perfis de asa, de forma que o resultado foi um grau acima de eficiência sobre as demais aeronaves.  A motorização foi um capítulo a parte e inicialmente o 777 podia receber motores dos três principais fabricantes do mundo:  General Eletric (GE), Pratt & Whitney (PW) e Rolls Royce (RR).

O resultado foi um sucesso de vendas.  Essa aeronave era infinitamente mais eficiente que seus concorrentes, boa de pilotar e extremamente confiável.  Até hoje conta-se apenas dois acidentes com perda total da aeronave e o número de vítimas em acidentes com 777 é de apenas três (sendo que uma dessas vítimas saiu com vida da aeronave e morreu ao ser atropelada pela ambulância de resgate).  Portanto, se você tem medo de avião, o 777 é a aeronave para que você perca esse medo.

Na aviação ao contrário do futebol, tem que se mexer em time que está ganhando.  Aeronaves precisam estar em constante renovação ainda mais com a eletrônica e a computação avançando aos saltos como hoje.  O 777 embora seja projeto da década de 90 e ainda tenha muita lenha pra queimar, precisa estar em constante modernização para ser a melhor opção em seu segmento.  Pensando nisso, a Boeing já desenvolve, para produção em 2018 o novo 777X

Como o mundo abandonou o conceito de aviões de passageiros supersônicos para rotas regulares, além de toda a movimentação para a eficiência, salvar o planeta, etc, o foco no desenvolvimento de aviões hoje é fazer aviões mais leves e com menos arrasto, aliado a motores mais potentes e eficientes, podemos carregar muito mais peso consumindo muito menos combustível.

A busca pela eficiência aerodinâmica que norteia o desenvolvimento de aviões teve um salto nos últimos tempos.  Agora podemos buscar perfis e formatos de asa cada vez melhores, sem a necessidade de a cada desenvolvimento, fazer um modelo e gastar horas, e dinheiro, em túnel de vento.  Simplesmente desenhamos a asa e deixamos o computador resolver as equações para uma malha em torno dela e depois avaliamos os resultados.  Hoje temos processadores que são capazes de fazer esse cálculo em tempo razoável sem serem fritos.

Assim nasceu o Boeing 787.  O desenvolvimento daquela aeronave foi todo feito dessa forma e sua construção revolucionou a forma como se constrói aviões.  Veja suas asas:    Aquilo é fruto de tecnologia alienígena refinamentos exaustivos e ensaios de CFD.  Só foi possível chegar a esse grau nos dias de hoje pois antes ninguém pagaria para tanto refinamento.

As asas do novo 777X irão incorporar esse desenvolvimento.  O formato da asa foi bastante alterado quando comparado aos 777-200 e -300.  Além disso, ele vai incorporar  a coisa mais fantástica num avião comercial e que me fez escrever tanto sobre esse modelo:  Ele terá asas dobráveis!

Aviões com asas dobráveis não são nenhuma novidade.  A maioria das aeronaves que operam em porta-aviões possui esse recurso para que possam ocupar o mínimo espaço possível nos exíguos hangares dos navios.  No entanto isso nunca se viu num avião comercial.  E por que a Boeing está fazendo isso?

A asa ideal seria uma asa infinita.  Isso, obviamente é impossível.  Quando se projeta um avião, a ponta da asa é uma desgraça, ela só atrapalha, causa arrasto diminuindo a eficiência da própria asa, pois o ar que está embaixo passa para cima por fora da asa formando aqueles vórtices que, embora lindos, geram arrasto.  Uma solução razoável são os winglets presentes em muitas aeronaves como o 737-700, 747-400 etc (eu gosto do winglet de tubarão que a TAM tem nos novos A320).  Mas a Boeing, com seu pessoal de CFD caminha para outra solução:

Parece que eles querem uma transição mais delicada entre a asa e o vazio.  Assim eles estão adotando pontas de asa menores e sem winglets.  Obviamente o perfil da asa torce a medida que sai da raiz para a ponta, de forma a evitar o estol de ponta de asa.  Como a Boeing faz e qual o perfil são segredos da empresa.  Podemos ver isso comparando as asas dos Boeings 767 com o 787 e o 777-300 com o 777X:

Boeing 767 a esquerda e Boeing 787 a direita. Note a diferença nas asas.

Boeing 767 a esquerda e Boeing 787 a direita. Note a diferença nas asas.

Dois Boeings 777: A esquerda o 777-300ER e a direita o 777X.

Dois Boeings 777: A esquerda o 777-300ER e a direita o 777X.

Um outro fator é que quanto maior a envergadura, mais eficiente será a aeronave (é claro, mais sustentação é gerada).  Por isso a Boeing aumentou a envergadura do 777 de 64,8 metros para 71,1 metros.  Ao mesmo tempo em que a Boeing ganha em eficiência, ela gera um problema comercial para ela mesma:

71,1 metros é muita coisa.  Dependendo do aeroporto, esse avião sairia batendo com a ponta da asa em outras aeronaves, postes, muros, fingers e o que mais tivesse pelo caminho.  Ele parado em um portão poderia inviabilizar o uso dos dois portões vizinhos, pois outra aeronave não conseguiria parar neles por falta de espaço.  Isso implicaria que, para operar essa aeronave, muitos aeroportos teriam que ser readequados.

No Brasil isso não seria problema.  Somos especialistas em reformas de aeroportos.  Fazemos todas as obras aeroportuárias com qualidade, no prazo e dentro do orçamento.  A Infraero foi eleita a melhor administradora aeroportuária do mundo.  Mas países que não contam com a nossa eficiência como a Inglaterra, o Japão, Emirados Árabes etc sofreriam com atrasos de obras, superfaturamento, má qualidade de execução…  de forma que os clientes não iriam querer fazer essas obras e o avião não venderia.

Assim a Boeing foi genial.  Quando em solo, as asas do 777X se dobram para cima e a envergadura da aeronave cai para 64,8 metros.  Todo aeroporto que opera um 777 hoje, poderá operar o 777X.  As asas são estendidas apenas na cabeceira da pista, para decolar, e são recolhidas no final da frenagem no pouso.  Assim ele não bate em ninguém.

Dois Boeings 777X. Note a asa dobrada da aeronave em primeiro plano

Dois Boeings 777X. Note a asa dobrada da aeronave em primeiro plano

A preocupação seria se essas coisas resolvessem dobrar em voo.  Como elas dobram para cima e durante o voo as asas estão sujeitas a esforços para cima, as articulações estarão o tempo todo sendo forçadas para fecharem as asas.  É claro que a Boeing vai instalar ali um robusto mecanismo de trava hidráulico ou magnética ou o que for.  Mas caso esse mecanismo falhe, certamente a aeronave manterá a capacidade de voo.

Outro desenvolvimento do 787 a ser incorporado são os materiais.  Cada vez menos metais são usados na construção de uma aeronave e mais polímeros e compósitos vão ganhando espaço.  Esse tipo de material normalmente é mais leve e mais resistente que os metais.  Essa economia de peso na aeronave permite que mais carga e passageiros sejam transportados ou que o alcance do avião seja significativamente aumentado.

Os materiais incorporados à construção do 787 são tão bons que permitiram por exemplo que a aeronave tenha janelas maiores, fornecendo uma visão muito melhor para os passageiros (e chupa cara que me chamou de “chato do voo” no Blog Melhores Destinos).  Devido a maior resistência desses materiais, a aeronave pode também ser pressurizada a níveis mais próximos do nível do mar, aumentando o conforto dos passageiros.

A cereja do bolo são os motores.  Atualmente o 777 é impulsionado pelo maior motor aeronáutico já construído:  A GE90.  Ela é um monstro tal que fica grande até no 777.  Sua entrada de ar tem um diâmetro igual ao da fuselagem do Boeing 737.  Sim, você num voo da Gol poderia ser engolido pela turbina de um 777 da Emirates.

A GE90 surfa na mesma onda que faz a Boeing desenvolver aviões cada vez mais eficientes:  O avanço da computação permite que a empresa desenvolva seus componentes aerodinâmicos, como as palhetas do fan de admissão em perfis únicos, elevando a eficiência da admissão e dos compressores que vem a seguir.  O uso de materiais compósitos a base de cerâmicos permite ao motor atingir níveis de temperatura na parte quente maiores que os tradicionais.  Mais calor, mais energia fornecida ao ar, mais empuxo e mais trabalho gerado no eixo do motor.  Isso também permite uma melhor queima do combustível aproveitando melhor toda a energia disponível e evitando gases poluentes como o CO e Hidrocarbonetos.

Para o 777X, a GE desenvolve a GE90X (estivéssemos em 2012 eu diria que o Eike Batista comprou a Boeing e a GE mas…), que irá incorporar em grande escala os desenvolvimentos obtidos pela fabricante na série GEnx que é opção de motorização para o 787 (a outra é o Rolls Royce Trent 1000) e que terá versões equipando os novos 737 e mesmo a segunda geração e E-jets da Embraer.  Essas inovações são um maior uso de compósitos, otimizações mecânicas, aerodinâmicas e termodinâmicas conseguidas graças ao avanço na ciência dos materiais.

Um dos novos motores GEnx montados sob 747 e postos para a exposição.

Um dos novos motores GEnx montados sob 747 e postos para a exposição.

Isso será empregado em um motor gigantesco, que pretende gerar 100.000lb de empuxo (444,8 kN).  A atual GE90 mais potente, a GE90-115b gera 115.000lb de empuxo (511,4kN, ao nível do mar, em TOGA).  Apesar do empuxo ser equivalente, a GE90X promete consumir 10% menos de combustível e, o 777X promete ser mais leve que o 777-300, ou seja, haverá um ganho considerável.

Até o momento, a Boeing já conta com encomendas de grandes empresas para esse novo avião, sendo a alemã Lufthansa a companhia lançadora.  A entrega está prevista para 2018.  Como essa aeronave pode operar em qualquer lugar que se opera um 777, podemos esperar ver esse avião em muitos aeroportos por aí.

Esse projeto da Boeing sinaliza bem o que será o futuro da aviação:  Estamos presos, por questões econômicas e ambientais, a velocidades em torno de Mach 0.8.  Mas cada vez mais estamos voando a essa velocidade consumindo menos combustível e de forma mais confortável para os passageiros.  Isso permitirá que cada vez mais pessoas tenham acesso a viagens aéreas além de expandir o mercado de transporte aéreo em todo o mundo.  Isso também forçará as concorrentes, como a Airbus e mesmo a Embraer a reavaliarem seus projetos em busca de maior eficiência e competitividade.  Que o futuro venha voando.

Fontes:

  • Boeing;
  • General Electric Aviation;
  • The Aviation Weekly;
  • MIT;
  • Wired;

Sobre Fernando Vieira

Engenheiro Mecânico. Trabalha no Rio mas mora em Petrópolis. Fez esse blog, pra comentar sobre tudo um pouco mesmo sem entender de nada.
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